

Como encorpamos os padrões
A imposição de padrões alimenta o crescimento do mercado de cosméticos e da busca por procedimentos estéticos – invasivos ou não. E, ainda que existam estereótipos de beleza para homens e mulheres,o alvo é, historicamente, o público feminino. Na lógica de mercado, a beleza também é vendida como sinônimo de sucesso e felicidade, no entanto, essa beleza depende de sacrifícios, tanto financeiros, quanto psicológicos.
Segundo pesquisa da International Society of Aesthetic Plastic Surgery, divulgada em dezembro de 2020, o Brasil se tornou, em 2019 e pelo segundo ano consecutivo, o país que mais realizou cirurgias plásticas no mundo. Mas como a cultura da beleza auxilia no aumento da busca por intervenções plásticas não só em terras tupiniquins, mas ao redor de todo o globo?
As cirurgias plásticas vêm ganhando notoriedade desde o século passado. O que inicialmente objetivava a reconstrução de características físicas e fisiológicas como forma de contribuir para melhor qualidade de vida do indivíduo, hoje passa a ter uma preocupação puramente estética muito maior.
Devido à finalidade primária da cirurgia plástica reconstrutiva, a sociedade e os próprios cirurgiões não reconheciam essa prática cirurgia para fins estéticos. Mas, com a crescente preocupação com a aparência física, ligada ao discurso de autoestima, a partir da segunda metade do século XX a visão começou a mudar, possibilitando maior aceitação da cirurgia plástica estética.
As publicidades e o potencial de alcance das mídias sociais - combinados com as já conhecidas pressões estéticas - influenciam diretamente no aumento da demanda de intervenções cirúrgicas, especialmente focadas no público feminino. Os ideais de beleza são, assim, cada vez mais difundidos e propagados pelas mais diversas plataformas.
A mídia também tem um papel central nesse sentido: age de forma a incentivar a busca por plásticas, contribuindo para manutenção da insatisfação corporal como fonte geradora de consumo. De acordo com levantamento da Opinion Box (2022), 81% dos brasileiros já realizaram algum tipo de procedimento estético, sendo que 31% dessas intervenções aconteceram quando essas pessoas tinham entre 18 e 24 anos.
Inegavelmente, os usuários são, todos os dias, bombardeados com centenas de milhares de conteúdos e propagandas, que vão desde rotinas de skincare até vlogs com experiências e dicas sobre cirurgias plásticas estéticas. Todo esse cenário resulta na supervalorização da aparência física - terreno fértil para a expansão das intervenções plásticas.
Atualmente, há uma crescente naturalização da busca por tais intervenções, já que, na maioria das vezes, o corpo da mulher não se encaixa naturalmente nos padrões evocados em sociedade. Dentre as cirurgias mais procuradas estão:
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Lipoaspiração (que vai ao encontro do desejo de menor porcentagem de gordura, citando aqui o culto à magreza);
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Aumento das mamas (como justificativa da busca por seios grandes e firmes);
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Blefaroplastia (que retira o excesso de pele das pálpebras com a intenção de rejuvenescer o rosto e explicita cultura do louvor à juventude);
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Rinoplastia (fazendo referência à valorização de traços finos).
Ademais, como um procedimento que até o ano de 2019 era pouco procurado, o aumento dos glúteos aparece agora entre os procedimentos mais realizados - realidade que pode demonstrar a influência de novas preocupações estéticas.
Mas, afinal, por que a busca expressiva pelas mudanças corporais? A beleza é um assunto universal, embora seja um conceito subjetivo. O corpo é entendido como um item de exibição, o qual deve ser moldado, manipulado, trabalhado, construído e produzido. A partir da instituição do que é considerado belo é que o próprio corpo entra e sai da moda. Entre os motivos mais comuns pelos quais os indivíduos recorrem à cirurgia estética estão a baixa autoestima, insatisfação, sensibilidade afetiva, anseio pela melhora da imagem física, peso corporal, influência da mídia e condições financeiras.
Em suma, a busca pelo corpo dito “perfeito” está, muitas vezes, diretamente relacionada a subjetividades, tanto aquelas pertencentes ao próprio ser, quanto aquelas advindas do convívio social. Nesse sentido, a apologia ao corpo esteticamente belo e proporcionalmente magro é uma das mais severas fontes de frustração e angústia para as mulheres.
Na atualidade, as singularidades dos corpos estão sendo tão desvalorizadas que se cria uma dualidade: ao mesmo tempo que há a promoção do corpo como item glorificado, ele também é facilmente desprezado quando não está nas conformidades aceitas pelo senso comum.
É dentro dessa realidade que nasce a promessa de resgate da autoestima, a partir do encorajamento para a realização de procedimentos estéticos, muitas vezes sem considerar os riscos que uma cirurgia acarreta ou as particularidades de cada indivíduo. Fatores que são marginalizados dentro da lógica da glamourização das cirurgias plásticas, mas que são considerações primárias a se fazer quando se pensa em realizar uma intervenção esbarram na consciência de possíveis complicações, no estudo das qualificações do médico escolhido para o procedimento, no tempo de recuperação, mas, principalmente, nas motivações que levaram a decidir pela realização da cirurgia.
Em contraposição a essa cultura, ascende o que se conhece por “body positive”. A ideia por trás do movimento social é justamente fazer frente aos padrões estéticos que oprimem as mulheres, focando na aceitação de todos os corpos, independentemente de tamanho, forma, tom de pele, gênero e habilidades físicas.
Embrace é um documentário lançado em 2016, narra a trajetória da ativista australiana Taryn Brumfitt, que lidera uma cruzada para acabar com o constrangimento que as mulheres são levadas a sentir sobre seus corpos e propõe a criação de uma nova forma de percepção corporal.

Pesquisa realizada pela Opinion Box em 2022

Embrace convida o público a refletir sobre as imposições de beleza corporal
(Vídeo: Cut/YouTube)