

Cartas ao leitor
Quando o assunto é beleza, tal conceito se apresenta de forma individual, em especial quando inserida no universo feminino. Cada mulher foi apresentada, desde sua infância e com o início do processo de socialização, a uma noção referencial daquilo que é considerado belo e do que fazer para alcançar esse padrão. Por essas particularidades, a redação do “Afrodite não te contou” conversou com algumas leitoras para saber um pouco mais sobre suas visões e experiências sobre o assunto.


“Como uma menina negra nunca tive referências sobre como cuidar do meu cabelo cacheado, por muitos anos usei os produtos errados e cheguei a alisar por uns anos. Além disso, sempre foi muito difícil encontrar bases no tom certo, já que a maioria me deixava laranja ou pálida. Minha principal referência de belo era a Barbie, branca, loira e magra.”


“Em partes, em casa sempre fui muito bem tratada pela minha família, o que eu acho que me deu maior suporte e referência. Mas na escola já sofri bullying por não ser como as outras meninas, eu era muito moleca e um pouco gordinha, então, os meninos tiravam muito sarro da minha aparência. Os estereótipos da menina "feminina" sempre me incomodaram, tem coisas que não me agradam no universo feminino e muitas vezes me sinto menos mulher pelo estigma que colocam sobre.”

“Tive uma infância rodeada de figuras femininas que sempre foram magras ou tiveram corpos considerados belos sem muito esforço (Mãe, tias, primas, coleguinhas...) e que todas tinham o lema de "Ser bonita dói", "Você só é bonita se fizer X coisa", "Perca isso aqui de quilos e vai ser mais bonita" ou em forma comparativa, "Seu cabelo é tão bonito, igual o de fulana, você só precisa ser magrinha igual a ela" ou "Você é bonita de rosto mas as roupas...". Meus referenciais daquilo que era "bonito" eram os meus maiores gatilhos, porque eles moravam comigo. Para ser bela, eu precisava ficar sem comer ou fazer dietas restritivas, usar roupas de números menores para ver se percebia que precisava perder peso para caber ali, amarrar cadarços na cintura para que ela afinasse pois "mulher tem cintura fina", usar sutiã por horas - Mesmo que apertado... - para que meus seios não ficassem murchos, não comer em público, usar maquiagem e saber me comportar de forma atrativa para rapazes mesmo que estivesse no quinto ano… Definitivamente não foi saudável.”


“Minhas referências eram as princesas e as barbies, mas eu tinha uma variedade legal de Barbies. Várias cores de pele, cabelos, bonecas de outros países, e eu achava todas bonitas. Mulan, Pocahontas, Jasmine, Barbies e Susis negras (eu tinha umas 5 bonecas com pele escura): todas eram bonitas, então as referências eram múltiplas. A minha mãe também sempre foi uma referência, ela é lindona e não é magrinha como a Barbie, então também não cresci achando que beleza era sinônimo de magreza.”
Não é possível falar sobre beleza durante o século XXI sem mencionar os famosos “padrões estéticos”. O que a sociedade vislumbra como belo e como as mulheres são condicionadas a esses padrões? Muitas vezes, a indústria da beleza acaba por ditar uma cultura de corpos inalcançável, e essa realidade se apresenta ainda mais intimidadora dentro do universo feminino, de modo que o valor social da mulher more no cumprimento ou não desses padrões.

“A noção de beleza na minha infância se apresentou de forma meio agridoce... Ao mesmo tempo que as atitudes de autocuidado, dos dias em que eu sentava para fazer maquiagem com a minha mãe ou escolher anéis com a minha tia eram um momento de comunhão, no qual a beleza me aproximava das mulheres da minha família, ela também repelia. Esse segundo caso surgia quando eu recebia críticas à mesa do almoço de domingo sobre não ter depilado a perna ou comentários sobre dietas e progressivas para o cabelo.”

“A cultura machista influenciada pela pornografia faz com que homens pressionem as mulheres a um ideal perfeito que não existe. Depilação em dia, maquiagem, cabelo arrumado, sem marcas como estrias e espinhas. É só notar que uma mulher tem em casa pelo menos 20 produtos de beleza e higiene, enquanto a maioria dos homens não chegam a 10.”


“Várias vezes, quando o BBL das Kardashians estava na moda, eu simplesmente não conseguia conceber a ideia que meu quadril nunca iria ficar igual o delas, por ter hip-dips (igual várias mulheres) ou que minha bunda nunca iria ficar daquela forma naturalmente. Ou a ideia que eu tinha pelos! Quem em sã consciência, na era da depilação a laser e dos braços lisinhos, ainda tinha pelos? Esse era meu raciocínio.”


“Temos mulheres diversas no Brasil, mas ainda hoje é muito difícil encontrar corpos gordos em seus diferentes tamanhos como símbolo de marca nacional e propaganda. Somado a isso, mas difícil ainda é encontrar peles e belezas diversas quando falamos do mundo de skincare e cuidados faciais. Em particular eu tenho diastema e sei que muitas outras pessoas tem, mas a naturalização das padronizações dos dentes com aparelhos, até mesmo em casos que não fossem necessários senão esteticamente, fez com que eu crescesse sem nenhuma referência e que até hoje eu sinta poucas vezes que esse tipo de beleza é incluída no marketing das marcas.”

“As atrizes da globo com narizes perfeitos, dentes brancos e seios grandes, isso é inalcançável, a profissão dessas mulheres é ficar bonita. E eu me sentia bem medíocre perto delas quando era adolescente, 12-18 anos. Só que aí eu cansei de me sentir menos bonita, e não lembro qual foi o gatilho disso, mas um dia eu acordei e pensei: o que eu acho bonito no meu corpo? E a resposta foi: tudo, então por que eu estava me sentindo feia? Por causa dessa comparação de padrão de beleza! Mas e eu? Eu achava que o padrão era bonito? Não! Então não tinha cabimento que eu me comparasse a um “padrão” que eu não admirava e deixasse de apreciar a beleza que eu achava que era beleza.”
Um dos segmentos do mundo da beleza que mais ganhou espaço nos últimos anos é do skin care. Em especial com a ascensão do TikTok, o compartilhamento das rotinas de autocuidado estão cada vez mais presentes na vida dos usuários. Qual a ordem correta para o uso de cada produto, quais produtos usar e até aquela dica de receita caseira que promete milagres são pauta desse tipo de produção. Mas como o público feminino recebe esse conteúdo? Ele auxilia na promoção do autocuidado ou é mais uma das milhares de maneiras de incentivar o consumo e condicionar as mulheres a novos padrões de beleza? As leitoras do “Afrodite não te contou” também compartilharam suas visões sobre a cultura do skin care e a era “clean girl”.


“Desenvolve inseguranças. Se você não tiver toda aquela parafernalha de pedra jade e produtos que custam mais de 200 reais seu skin care não será legítimo. E não é bem assim. É que eu não sou nada consumista, então eu acho essa trend de skin care uma grande bobagem, e fico com pena dessas meninas que estão acumulando dezenas de embalagens de plástico no banheiro e gastando centenas de reais com uma coisa que poderia ser bem mais simples. Eu faço skin care: lavo o rosto com o sabonete de rosto duas vezes por dia, uso hidratantes para o rosto com fator solar (se está muito sol, eu pulo direto pro protetor, que também é hidratante e específico para rosto), e um lip balm.”

“Nos últimos dois anos vi muito da estética clean girl ou that girls. Embora tenha muito material, de um modo ou outro, elas tentam transparecer um pouco mais naturais, com peles com marcas e o skincare ajudando. Acho que deu pra dar uma leveza naquele aspecto todo de maquiagem e de como necessita de 3hrs para estar arrumada, mas trouxe muita insegurança vindo de ser "bonita" naturalmente, e que pra ser daquele jeito basta querer.”

“Acredito que possa envolver inseguranças também, mas acho que as rotinas de skincare talvez estejam mais ligadas a um recurso de aproveitamento da era de incentivo a independência feminina que vivemos…Tipo: faça isso e cuide de si mesma porque você se basta. Ou, invista seu dinheiro em si mesma para sua própria apreciação, saca?”